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No período em que The Legend of Zelda: Skyward Sword se resumia a doses homeopáticas de imagens, trailers e frases pinçadas de entrevistas dos produtores do game, qualquer informação a mais sobre o game era motivo de alvoroço e contentamento entre a comunidade gamer fã da série. Ante essa situação, qual não foi a alegria de todos ao descobrir que a “Ballad of the Goddess”, que embala o trailer do jogo, escondia a música “Zelda’s Lullaby”, de forma invertida.

Skyward Sword – GDC 2011

Trailer Skyward Sword

Ballad of Goddess (Reverso)

Música ao contrário, revelando o tema “Zelda’s Lullaby”

A maioria dos gamers (incluindo-se este que vos escreve) achou genial a descoberta, especialmente pela forma como foi projetada a música. Executando a música forma “normal” no trailer, não parece uma música ao contrário. Por seu turno, executada ao reverso, não aparenta uma massa sonora com o tema de ninar da Zelda embutido, mas há harmonia e música mesmo.

Tal constatação, sem rubor em exagerar, permite colocar Mahito Yokota e Hajime Wakai, bem como o restante da equipe supervisionada por Koji Kondo, ao lado dos mestres clássicos da música, no quesito genialidade e domínio sobre a música, pois o leitor há de convir que saber trabalhar dessa forma com a música é para poucos, exige-se muita maturidade musical.

Palíndromo musical

Como é cediço, a música não tem limites, podendo ser arranjada, remixada etc., da forma que se quiser. Além disso, é possível criar tudo de novo, por sobre algo já conhecido, transformando a música a tal ponto que, à primeira oitiva, não se percebe que há algo de muito familiar ali. As brincadeiras musicais podem chegar a tal nível que se consegue executar uma melodia ao contrário e fazer uma nova música, como num palíndromo¹.

Como bom exemplo de palíndromo musical, cite-se o Ofertório Musical de Johan Sebastian Bach, conhecido como Canon Caranguejo. De forma pioneira e brilhante, trata-se de obra que pode ser executada por dois instrumentistas, usando apenas uma linha de notas na partitura. Para tanto, basta o primeiro iniciar na primeira nota e seguir em frente (como de costume), ao passo que o segundo inicia na última nota da partitura e vem detrás para frente. O mais interessante é que as duas vozes podem ser executadas simultaneamente. Os vídeos abaixo ilustram bem como funciona:

Canon crabe de Bach

Musikalishers Opfer – Canon Cancrizans “Quaerendo invenietis” (Canon caranguejo) – Johan Sebastian Bach Música em espelho, lida debaixo para cima.

Outros compositores² criaram obras baseadas em sistema de palíndromo, a exemplo de Franz Joseph Haydn, com seu “Minuetto al Roverso”, da Sinfonia n.° 47 em Sol Maior, conhecida popularmente, por motivos óbvios, como “The Palindrome”:

Partitura da composição palindrômica de Haydn

Partitura da composição palindrômica de Haydn

A primeira figura mostra a música no sentido normal, a segunda parte é “al roverso” (ao reverso). Note que a primeira nota da primeira parte é a última da 2ª parte.

Outra forma de fazer um palíndromo musical, mas de maneira bem mais complicada, foi atribuída a Wolfgang Amadeus Mozart, com sua peça “Der Spiegel”, conhecida como “Música de Mesa para Dois Violinos”. O apelido dessa obra se deve ao fato de que, para ser executada por dois violinistas, é preciso posicionar a partitura sobre uma mesa e cada um ler sua parte de um lado dela.

Melhor explicando, a música foi composta de modo a permitir um dueto fantástico, simplesmente através da leitura, pelo primeiro violino, da página normal da partitura, ao passo que o segundo violino a lê de cabeça-para-baixo. A parte “fantástica” é que tudo se encaixa perfeitamente, como se fossem vozes escritas separadamente.

Veja abaixo a partitura na posição normal e a mesma de ponta-cabeça:

Partitura composta por Spiegel

Partitura composta por Spiegel

A posição das notas na pauta musical representa a nota a ser executada. Quando colocada de cabeça-para-baixo e lidas as notas, elas mudam a nota de representação, não são a mais as mesmas notas. Daí a maior dificuldade em fazer tudo dar certo.

Agora veja como funciona sua execução:

“Der Spiegel” – Table music for 2 violins – Wolfgang Amadeus Mozart (17XX)

Palíndromos Musicais em Zelda

O melhor exemplo de palíndromo musical elaborado por um compositor de games, até onde se tem notícia (pode haver outras composições não tão difundidas, em outros jogos), de fato se trata da peça dedicada ao trailer de The Legend of Zelda: Skyward Sword, conforme apontado acima. Contudo, essa não foi a primeira investida da equipe de aúdio no gênero. Se se analisar a trilha sonora da série The Legend of Zelda, o sistema é recorrente, forte no capítulo “Majora’s Mask”.

A melodia “Saria’s Song”, apresentada pela primeira vez em Ocarina of Time, foi revisitada em Majora’s Mask e recebeu seu próprio palíndromo, conhecido como “Healing Song” (as 6 primeiras notas – Fá, Lá, Si, Fá, Lá, Si – das 2 músicas são as mesmas, mas em ordem contrária – Si, Lá, Fá, Si, Lá, Fá):

O arranjo acima mescla as duas composições – Saria’s Song e Healing Song

O mesmo acontece, de forma mais explícita, com a “Song of Time” e sua versão óbvia reversa “Inverted Song of Time”:

Song of Time

Inverted Song of Time

Acredita-se que o compositor da trilha – tendo em mente que o mundo de Termina se trata de um mundo paralelo a Hyrule, onde muitos dos locais e personagens conhecidos são, em verdade, outros – adotou o sistema de palíndromo, para expressar melhor que, embora o mundo se assemelhe a Hyrule, não se está em Hyrule, mas em um mundo diferente, “invertido” talvez.

Essa ideia de inversões se mostra mais clara em The Stone Tower Temple. Como observado por Ilmari Arnkil, em 25/10/2010, no texto intitulado “A Música de Majora’s Mask”, para o site Zelda Informer (em tradução livre):

“Embora os temas dos templos acima mencionados sejam maravilhosas peças musicais, nenhuma delas se equipada às duas engenhosas composições ouvidas em The Stone Tower Temple, que é o único dungeon em toda a série Zelda que tem duas músicas de fundo. O jogador tem que virar o templo inteiro de cabeça-para-baixo, a fim de acessar certas áreas e eventualmente completar todos os puzzles. Uma vez que o templo está virado ao avesso, a música começa a tocar de forma bem diferente, mas se mantendo fiel à melodia original. É possível ouvir o som do vento invertido e sons estranhos ao contrário, ao fundo. O resultado é uma peça musical inigualável de Zelda que permanece forte entre as favoritas dos fãs após todos esses anos.”

A partir do 2° minuto, ouve-se a versão “invertida” do tema do templo

Como se pode observar, o palíndromo musical é bastante utilizado por Koji Kondo, Mahito Yokota, Hajime Wakai e o restante da equipe, para representar musicalmente os acontecimentos do jogo, aliando a brincadeira musical à vivenciada pelo jogador, o que reforça a vívida sintonia de Koji Kondo e o time de áudio com Shigeru Miyamoto, Eiji Aonuma e seus respectivos times, bem como, claro, sua maturidade musical, comparável aos expoentes da composição universal de todos os tempos.

Definições e curiosidades:

1palíndromo: é uma sequência de letras, palavras, frases, números ou outras unidades de sequência (como notas musicais), que podem ser lidas em qualquer direção (sendo permitida a correção de ritmo, acentuação ou pontuação). Existem palíndromos textuais datados de 79 d.C., em latim, hebraico e sânscrito. Palavras como “reviver”, nomes como “Ana”, frases como “Was it a rat I saw?” e datas como “11/02/2011”, são exemplos de palíndromos

Na música, a leitura ao contrário não precisa soar exatamente como na leitura padrão (senão bastaria fazer escalas em que a primeira nota fosse a mesma da última, a segunda fosse igual à penúltima e assim por diante). Na música, para ser considerado palíndromo, é preciso que a leitura inversa faça sentido, continue soando como música. Para isso ficar mais evidente e interessante, muitos compositores adotaram o sistema de duetos em palíndromo, ou seja, a leitura normal e a invertida são feitas ao mesmo tempo e soam harmonicamente.

2Alban Berg apresenta um palíndromo no interlúdio de sua opera “Lulu” (1937); O Prelúdio do Ballet “Horroscope” de Constante Lambert (1938); a Sinfonia n.° 2 e os Quartetos de Corda n.° 1 e 9 de Robert Simpson; a variação de piano Op. 27 e Sinfonia Op. 21 de Anton Webern; “Messias” de Handel e “Requiem” de Gabriel Fauré, todos apresentam palíndromos. As obras de Heinrich Isaac, James Tenney, Georg Crumb, também apresentam peças onde palíndromos musicais são utilizados.

Referências

http://gonintendo.com/?mode=viewstory&id=165894
http://en.wikipedia.org/wiki/Palindrome
http://en.wikipedia.org/wiki/Symphony_No._47_(Haydn)
http://zelda.wikia.com/wiki/Saria’s_Song
http://www.zeldainformer.com/2010/10/the-music-of-majoras-mask.html

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