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Em se tratando de uma lenda, a de Zelda também sempre faz referência a tempos imemoriais. Por força disso, as tradições e equipamentos de época se coadunam com o apontamento a tempos longínquos, na medida em que se mostram coerentemente rudimentares.

Ante esse fato, percebe-se que a distribuição de instrumentos musicais na série também observa essa premissa, uma vez que a complexidade destes também acompanha a marcha evolutiva da sociedade de Hyrule, em paralelo à história mundial real.

Tanto isso é verdade que violinos e outros instrumentos mais complexos, se apresentam nos jogos cujo período histórico, segundo a cronologia da lenda, é mais recente. Capítulos estabelecidos em tempos mais remotos, como Ocarina of Time, The Minish Cap e Skyward Sword, no que toca aos instrumentos musicais, se limitam a apresentar aqueles que, na história da humanidade, possuem registros desde a Antiguidade e, possivelmente, estão no mundo desde seu princípio. Dado isso, observe-se que foram incluídos na trama da série, como instrumentos antigos, a ocarina e a lira.

Como é cediço a ocarina é instrumento que data de mais de 3000 anos a.C. e, no paralelo com o mundo de Hyrule, teve sua primeira aparição registrada em The Minish Cap (ocarina do vento), ou seja, no, até então, segundo capítulo da história conhecida de Hyrule.

Vale dizer, um dos instrumentos de sopro mais antigos da humanidade (derivado do mesmo instrumento rudimentar que também deu origem à flauta), apareceu no princípio da lenda de Zelda. Paralelo a isso, igualmente surgiu o mais antigo instrumento de cordas que se tem notícia: a lira.

Alguns podem se perguntar onde é que há uma lira em Zelda e desde quando é um instrumento de cordas. Muito provavelmente a dúvida é reflexo de confusão com o Metalofone (na verdade, no glockenspiel portátil), muito popular em bandas marciais e fanfarras, consistente em barras de metal dispostas cromaticamente sobre uma superfície, lembrando o teclado de um piano, e que emitem som ao serem percutidas por baquetas, o qual, popularmente, também recebe o nome de lira.

Metalofone

Metalofone

Entretanto, pretende-se tratar aqui de outra lira. A confusão se dá, porque a lira popular e a harpa têm a mesma origem, além do que, na língua inglesa, por exemplo, não há, popularmente, diferença de nome entre os instrumentos, sendo tudo chamado de “harp” (embora o termo “lyre” também exista). De toda sorte, embora, na essência e mecânica, sejam o mesmo instrumento, na prática, hoje, são bastante diferentes.

Origem e evolução da lira e da harpa

A lira apresenta registros tão antigos quanto os da flauta (e da ocarina), havendo gravações iconográficas do instrumento na cultura egípcia, mais precisamente na tumba do faraó Ramsés III (1198-1166 a.C.), e em cavernas iraquianas (2900 a.C.).

Lira egípcia

Lira egípcia

Igualmente há relatos históricos de que o instrumento era encontrado na Babilônia e na Mesopotâmia por volta do ano 500 a.C. e, conforme relatos bíblicos, a harpa (lira), bem como a flauta, se faziam presentes na cultura judaica, desde antes do dilúvio (Gênesis – Capítulo 4, versículo 21: “O nome do seu irmão era Jubal, esse foi o pai de todos os que tocam harpa e flauta”), sendo instrumentos bastante utilizados nos cerimoniais e festas.

Não há informações sobre quem criou a lira/harpa, notadamente diante da diversidade de locais em que pode ser achada. Por isso, atribui-se sua criação à espontaneidade musical humana, tendo, nesse caso, como estopim, a observação do som que seus arcos de caça emitiam ao balançar a corda.

A lira, como conhecemos hoje, com aparência de harpa angelical, data do período helênico antigo, como se pode observar da figura abaixo:

Harpa Helênica

Harpa Helênica

Note-se na imagem acima – da esquerda para a direita – que há, em verdade, três diferentes instrumentos: Harpa, Cítara (Khitara) e Lira. A harpa se caracteriza por ter o corpo mais triangular, totalmente aberto e com mais cordas. A cítara tem o corpo arredondado, e parte das cordas estão dispostas à frente de uma chapa rígida. Por seu turno, a lira, embora lembre bastante o corpo da cítara, é aberta atrás, como a harpa.

Da Harpa antiga, surgiram a harpa europeia (século VIII, na Espanha) e a sulamericana (período colonial, em vários lugares, mas a mais famosa é a harpa paraguaia, cujo som é bastante familiar e remete ao período natalino).

Harpa Paraguaia

Harpa Paraguaia

Por sua vez, da Khitara helênica, surgiu a cítara alemã moderna, bem como todos os demais instrumentos de cordas dispostas sobre uma caixa acústica (isto é, toda a família do violão e violinos e até inspirou a criação do cravo/piano). Curiosamente, porém, não guarda qualquer relação com a Sitar, de origem indiana, que muitas vezes tem o nome traduzido como “cítara”.

Cítara

Cítara

Por fim, da lira surgiu … bem, na verdade, não surgiu mais nada fora do mundo grego.

Lira

Lira

>Devido ao número pequeno de cordas (de 4 a 10) e cada uma representando um nota única, as irmãs de criação da lira tiveram um futuro bem mais promissor na música (a título de comparação, a harpa sinfônica tem 47 cordas e 3 pedais). Por força disso, o instrumento foi sendo abandonado ao longo da história, servindo apenas como elemento decorativo, dada sua delicadeza.

No tocante à manutenção no mundo da música, a lira é um instrumento que involuiu. Hoje ainda são encontrados tocadores de lira na Grécia, mas o instrumento que se vê em suas mãos é bastante diferente. Ostenta apenas 3 cordas e estas são sobrepostas a um corpo de madeira oca, lembrando um violino bastante rústico, apoiado no colo do músico, e tocado com um arco:

Músico Grego

Músico Grego

As “harpas” de The Legend of Zelda

Por sorte, no mundo dos videogames, mais precisamente na série Zelda, o instrumento não foi esquecido e ainda guarda sinais de beleza. Na série, são apresentadas três “harpas”, que, em verdade, são liras ou cítaras. Veja-se:

A Goddess’s Harp, que teria pertencido à divindade Hylia, foi conferida a Zelda em Skyward Sword e tem papel fundamental na trama. Posteriormente, o instrumento é entregue nas mãos de Link, permitindo acesso a áreas até então secretas a ele. Apesar do nome “harp”, pelo formato do instrumento, é claro que se trata de uma lira.

 

 

A mesma lira, supõe-se, foi passada de geração em geração na família real de Hyrule, de modo que pode ser vista novamente, nas mãos de Sheik, em Ocarina of Time.

 

 

Sem conexão com a Lira da Divindade, a série apresenta a chamada Harp of Ages, que se trata de uma nova lira, na verdade talvez mais antiga que a própria Goddess’s Harp, pertencente à deusa Nayru, que confere a Link o poder de viajar no tempo:

Harp of Ages

Harp of Ages

Por derradeiro, tem-se a Medli’s Harp, em Wind Waker, que, como já se deve prever, também não é uma harpa. Por seu formato peculiar, é possível afirmar, com certa segurança, que se trata de uma cítara (observe que, por detrás de porção das cordas, há corpo do instrumento, o que altera a ressonância das cordas, em comparação com uma lira, que seria toda aberta, como em Ocarina of Time e Skyward Sword).

 

 

Originalmente, a cítara pertencia à Sábia da Terra, a Zora Laruto. Todavia, de forma desconhecida, após sua morte, esta veio parar nas mãos de Medli que, por força do destino, acaba por se tornar a nova Sábia da Terra (Sage of Earth). A Medli’s Harp é bastante útil na jornada de Link (ainda que não toque nela), na medida em que reflete luz, dissipa nevoeiros, bem como contribui com poder à Master Sword.

Liras e orquestrações

Enfim, tendo em vista que a lira original não tem mais fabricação há mais de 1000 anos, embora apareça nos jogos da série Zelda, as liras/cítaras precisam ser emuladas por harpas (sintetizadas ou reais) nos jogos e em orquestrações de gamemusic. Tal fato, anote-se, não pode ser traduzido como uma heresia ou algo do gênero, uma vez que, na essência, são instrumento similares e, portanto, com sons parecidos.

Assim, a Nintendo e grupos instrumentais de gamemusic conseguem garantir o melhor conteúdo para nossos sentidos, na medida em que agrada aos olhos do jogador ao oferecer belíssimas liras, cheias de adornos, ao passo que preenche os ouvidos com o som envolvente (até sedutor) e delicado da harpa moderna, fazendo valer a pena cada segundo diante da tela ou em um teatro.

Great Fairy’s Fountain Theme

Ballad of Goddess (Games Classic Show)

Referências

http://pt.wikipedia.org/wiki/Metalofone
http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsica_da_Antiguidade
http://en.wikipedia.org/wiki/Harp
http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%ADtara
http://en.wikipedia.org/wiki/Zither
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sitar
http://en.wikipedia.org/wiki/Lyre
http://www.zeldawiki.org/Harp
http://www.zeldawiki.org/Goddess%27s_Harp
http://www.zeldawiki.org/Harp_of_Ages
http://www.zeldawiki.org/Medli%27s_Harp

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