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Há um grande debate entre os fãs da série sobre qual seria o jogo mais sombrio, e os principais concorrentes são sempre Majora’s Mask (Nintendo 64) e Twilight Princess (GameCube/Wii). Todos os Zeldas, pelo menos entre os que joguei, apresentaram ainda que um mero detalhe que poderia se chamar de, digamos, “sinistro”. Os exemplos vão desde o Dark World, uma versão corrompida da Golden Land, e a perda de um ente querido em A Link to the Past (Super SNES), até adições mais recentes, como o Silent Realm introduzido em Skyward Sword (Wii), onde você pode apenas fugir de intimativos guardiões espirituais sem a opção de contra-atacá-los. Mesmo assim, nenhum leva esse fator para a frente do palco da mesma maneira que os dois citados inicialmente.

Quando Majora’s Mask foi lançado, diferenciou-se de tudo que já havia sido apresentado até então em The Legend of Zelda em termos de estilo e tema. O esquema dos três dias em que você deve viajar no tempo de novo e de novo para evitar um apocalipse da terra de Termina, e ao mesmo tempo ser o maior espectador de tal fato diante do conformismo da maior parte dos habitantes mexeu, e ainda mexe com a mente dos jogadores. Muitos, eu incluso, espantaram-se por ser o Zelda mais sombrio já criado. O tempo foi passando, novos jogos foram lançados, mas, de novo, nada se igualava a ele nesse quesito. Então, chegou o ano de 2006, e, com ele, Twilight Princess, com novos gráficos muito mais realistas, deixando de lado o aspecto animesco, o que de cara agradou multidões de desgostosos com relação ao estilo de Wind Waker (GameCube), uma vez que esse design adulto estava mais em alta do que nunca na indústria dos games. Aliás, é justamente esse o alicerce da “escuridão” desse título. Não tenho como objetivo confrontá-los, até porque são jogos com ideias, temáticas e enredo bem distintos; e sim citar as principais características que levam ambos a se enfrentarem nesse ponto e permitir que vocês formem suas próprias opiniões.

Imagem da lua utilizada no jogo Majora's Mask

Ameaçadora lua de Majora’s Mask

Majora’s Mask apresenta alguns fatores que posteriormente voltariam a dar as caras em Twilight Princess, como a questão das mortes ocorrentes no jogo. Podemos citar também como exemplo a trama de Pamela e seu pai, um cientista aficionado pelo ocultismo que teve seu corpo amaldiçoado; a morte de Mikau diante de nossos olhos ao fracassar em resgatar os ovos de Lulu roubados pelos piratas; o final trágico de Darmani, que também fracassou em tentar salvar o seu povo do inverno devastador; as perturbadoras cenas de transformação ao se utilizar uma máscara, caracterizadas pelos gritos de agonia de Link; a música – especialmente algumas faixas, como a de Ikana Canyon – , que, como em qualquer jogo da série, é um retrato sonoro da aventura; e, como citei, o apocalipse iminente de Termina, representado por uma lua com cara de psicopata. Mas seu lado “dark” está mais firmado no ar de mistério e assombro que permeia pela jogatina. Em contrapartida, existe também um forte senso de esperança; as circunstâncias nunca parecem favoráveis, o desespero começa a tomar conta de nossas mentes enquanto o próprio tempo revela-se o pior inimigo, mas… as coisas vão melhorar! Há um senso de otimismo que não se vê em Twilight Princess, ou ao menos foi a sensação que o jogo me transmitiu. Esse foi foi o primeiro Zelda que reuniu praticamente todas as emoções humanas em suas personagens bem desenvolvidas: tristeza, frustração, alegria, medo, raiva, esperança e tantas outras. No terceiro dia, quando a lua e a terra estão a ponto de entrar em choque, todos entram em pânico, conformando-se com seu destino, e cabe a você encher a si próprio e aos outros de esperanças. Em alguns casos, até uma falsa esperança dada de forma não intencional resulta num sentimento sincero, como no caso do mordomo Deku, que sofria com o desaparecimento de seu filho já tido por morto e tem a mente revigorada por Link após este desafiá-lo em uma competição. Entretanto, apesar de contar também com um número maior de passagens cômicas, o episódio da máscara de Majora não deixa de ser um Zelda bastante maduro, não só pelo aspecto “físico”. Pelo contrário, é através do seu surrealismo acentuado que culmina numa experiência mais séria, para não dizer depressiva.

Imagem de Midna, sidekick em Twilight Princess

Midna, a controversa ajudante de Link

Quanto a Twilight Princess, o jogo causa um certo estado de aflição no jogador com sua atmosfera de melancolia. Para começar, temos uma sidekick que possui um quê demoníaco, em quem simplesmente não dá pra confiar pelo menos até a metade do jogo, pois duvidamos de seus propósitos pouco esclarecidos. Há uma censura muito menor em questões como a morte, não há preocupação alguma em poupar detalhes dos fins trágicos de personagens como a rainha dos Zoras, Rutela, e antigos moradores de Kakariko Village. Temos um mundo sendo engolido pelas trevas (ainda que o Twilight Realm não seja necessariamente uma dimensão maligna, suas criaturas nativas eram referidas pelos hylians como “demônios”); coisas horríveis acontecendo com as pessoas, como o desespero dos habitantes de Ordon após o rapto de seus filhos, e até o final não pode ser considerado um desfecho totalmente feliz. Inclusive, o protagonista, um herói tão messiânico, tem seu lado negro, já de praxe interpretado de forma substanciosa como Dark Link, exposto através da sede pelo poder em uma das cenas cinematográficas aclaradoras da trama. Ainda que não haja um combate direto, nenhuma outra aparição de seu alter-ego ao longo da série contou com a mesma profundidade. Além disso, como foi dito antes, o jogo já começa a chamar a atenção para esse estilo mais adulto desde seu design artístico, com destaque para o bestiário repleto de traços assustadores, capaz de fazer meros Bokoblins e Deku Babas se assemelharem a Bongo Bongos e Dead Hands, dois dos inimigos mais monstruosos de Ocarina of Time (Nintendo 64).

Sendo assim, sou de opinião que Twilight Princess é o jogo mais sombrio da saga, enquanto Majora´s Mask consegue superá-lo em alguns pontos isolados, sendo uma experiência mais assustadora, porém, não a mais enegrecida. É claro, o fato de ser ou não sombrio não implica em ser bom ou ruim. O que vem ao caso é como esse estilo se comporta em Zelda, uma série de fantasia, ou seja, por definição, o estilo sombrio não deve ser levado muito além, e mais ainda se lembrarmos que a produtora em questão, a Nintendo, basicamente visa a um público livre. É por isso que jogadores que acompanham de perto o trabalho de outras empresas muitas vezes não se deixam impressionar pelo nível de “sombriedade” contido nesses dois jogos. Ora, já estão acostumados com coisas que vão muito além. Não é só uma questão pessoal, como também relativa, proporcional. Devemos ter em mente que, quando adiciona-se temáticas sombrias a uma série que, por tradição, está voltada para um público mais jovem, o resultado, para esse público, pode ser impactante. E, a menos que outras softhouses, em alguma circunstância extrema, obtivessem licença sobre a série Zelda, eu não acredito que veremos algo mais ruinoso que a aventura da princesa do Twilight Realm algum dia.

No final das contas, no entanto, é como Aonuma já declarou, Zelda é sempre Zelda; sua essência consegue sempre ser preservada no produto final quase que milagrosamente, e independente do estilo adotado.

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