A série Zelda nunca se preocupou em esconder seu fator Nintendo de sempre buscar inovações a cada título lançado. Numa saga tão ortodoxa, repleta de convenções e fórmulas clássicas, a necessidade de contar com algo novo só tende a aumentar mais e mais. Sendo assim, não é de se estranhar que um dos maiores alvos de tais mudanças e reciclagens sejam suas próprias dungeons, afinal, a maior parte de nossa experiência de jogo é passada nelas. Nos episódios mais recentes da Lenda, tivemos vários exemplos de labirintos que fogem do termo padrão “Templo”, introduzido nos jogos mais antigos. Desbravamos prisões, navios gigantescos, instalações industriais e até cidades que flutuavam acima das nuvens. Entretanto, há uma que, na minha opinião, consegue se destacar em meio a tantas dungeons dinâmicas e diferentes pelo seu carisma, ousadia e singularidade.
Snowpeak Ruins é um nome que certamente figura ao lado de outros como Water Temple (Ocarina of Time / Nintendo 64) e Tower of Spirits (Spirit Tracks / Nintendo DS) na lista de dungeons infames da maioria dos jogadores. Quem nunca perdeu a cabeça várias vezes ao escorregar direto para um abismo enquanto tentava alcançar aquele baú, ou ser atacado pelas costas pelos irritantes Chilfos, ou simplesmente se congelar de novo e de novo toda vez que esbarrava em um Mini Freezard até se acostumar com o sofrível Ball e Chain? Este, a propósito, torna-se peça importantíssima para o resultado final, uma vez que o dinamismo das dungeons está diretamente ligado ao item a ser adquirido no decorrer delas.
Sim, a quinta dungeon de Twilight Princess (GameCube / Wii) desestabiliza a mente de muitos até hoje, mas também apresenta divertidos aspectos nunca antes vistos. Para começar, o único modo de Link acessá-la é apostando uma corrida de snowboard com um yeti no maior estilo 1080° Snowboarding. Falando nisso, outro fator que torna as ruínas geladas ímpar é o fato de que a dungeon não é uma dungeon, mas sim o lar de um homem das neves e sua simpática esposa. A sala do chefe é, na verdade, o quarto do casal e, pasmem, o chefe da dungeon é a própria dona da casa!
Tudo começou quando Yeta adoeceu devido à magia do segundo fragmento do Mirror of Twilight, fazendo com que seu marido descesse com freqüência ao Zora´s Domain para capturar Reekfish, um dos ingredientes para a sopa que irá curá-la. Por conta de seu estado, a memória de Yeta fraqueja e, sem querer, guia Link equivocadamente pelos cômodos da decrépita mansão enquanto se esforça para lembrar onde está a chave de seu quarto, onde mantém o fragmento. Por outro lado, dessa forma o herói encontra os demais ingredientes para que a sopa de Yeto consiga restaurá-la. Uma vez recuperada, ela acompanha Link ao quarto no andar superior das ruínas, porém, ao contemplar uma vez mais a beleza do espelho, é corrompida e transformada no monstro Blizzeta pelo seu poder.
Um outro ponto negativo é a total ausência de corações em vasos ou deixados por inimigos vencidos, o que acaba contribuindo com o já acentuado nível de dificuldade da dungeon. Isso pode ter sido proposital, tanto para obrigar o jogador a retornar à cozinha para restaurar a barra de energia com a sopa, quanto como simbolismo do amor do casal, que precisava ser revigorado.
E, como quase todo elemento da série, Snowpeak Ruins também tem suas teorias. Apesar de nada ser dito acerca da história do lugar, percebe-se claramente que a mansão, repleta de armas de guerra, como os canhões que devem ser usados para abrir caminho pelas muralhas de gelo, pode ter sido construída para fins militares. Não considero totalmente válida essa hipótese, pois como justificar também a presença de objetos típicos de uma residência aristocrata comum, como os muitos castiçais, retratos e obras de arte (contendo, inclusive, pinturas da entrada de Arbiter´s Grounds e uma que lembra as Poe Sisters do Forest Temple de Ocarina of Time)?. A propósito, não deixa de ser curioso que um dos quadros aponte para outra dungeon também representada por uma mansão abandonada. Então, se a mansão tornou-se um forte improvisado em tempos de guerra, conforme acredito, sua localização estratégica numa provável fronteira com reinos vizinhos não passaria de uma mera coincidência que teria despertado o interesse do exército de Hyrule em ocupá-la. Yeto e Yeta só passariam a viver lá muitos e muitos anos depois. Também é possível que esteja, de alguma forma, associada aos Zoras, já que uma caverna encontrada na Província de Lanayru, não muito longe de Zora´s Domain, apresenta uma decoração semelhante, bem como arpões típicos do arsenal da tribo aquática. Há ainda um indício de que a mansão teria sido onde Ashei, que pertence ao grupo de resistência, viveu por anos. Ela afirma, quando Link a encontra pela primeira vez, que foi criada pelo pai “nas montanhas”. Tal teoria encontra apoio em especial no fato de não existirem muitas montanhas em Hyrule; as armas encontradas pelas ruínas poderiam ser parte dos artefatos de seu pai, já que este era um Cavaleiro de Hyrule. Em contrapartida, a pouca idade da jovem entra em contraste com a mansão que aparenta ter, no mínimo, um século de existência. E você? Tem novas teorias sobre a casa?
Em todo caso, é interessante ver como a série nos surpreende, às vezes, das mais inesperadas maneiras. As jornadas de Link em si podem manter o esquema tradicional, mas sempre estarão devidamente maquiadas com novidades aqui ou ali. Talvez também seja por isso que tenhamos, cada um, as nossas preferências, ao invés de apreciarmos todos os jogos da mesma forma.