Os videogames ganharam seu espaço como mídia de entretenimento ao longo dos anos. Agregaram à sua mecânica, histórias cada vez mais complexas, com enredos cada vez mais elaborados.
Dentro da necessidade de objetivar o término de um jogo, as histórias são contadas como potencial motivador, para que jogadores não só desbravem os níveis sem compromisso, mas que se identifiquem e empenhem em jogar até o final de cada título.
Dentro dessa ideia, grandes histórias foram contadas, nos inúmeros jogos que se sucedem ao longo dos anos. Lembrando inclusive que os avanços tecnológicos trouxeram recursos gráficos e de hardware, que impulsionaram a capacidade dos desenvolvedores em narrar as histórias de seus jogos.
As paletas de cores foram expandidas, os polígonos na tela multiplicados, o espaço para informação ampliado. Cada nova evolução, faz com que os jogos ganhem mais cara, cor e personalidade. Cutscenes e trilhas sonoras trabalham cada vez mais juntas, criando o climax, auxiliando os jogos na constante tentativa de aproximar a história do jogador, mergulhando-o na ideia que está sendo proposta.
As histórias mais diversas e com diferentes níveis de relevância foram ganhando ou perdendo espaço no imaginário do jogador. Ainda existem jogos que não precisam necessariamente de uma história. São jogos mais espaciais e com desafios mais simples e físicos como é o caso de grande parte dos jogos do Mario. E outros que estão tão atrelados a ela, quanto a própria mecânica. São séries temporais que precisam de um enredo sólido como “Tales of” e “Final Fantasy” por exemplo, onde a passagem do tempo é evidenciada e atrelada a ela no desenvolvimento real de uma história. The Legend of Zelda é esse tipo de jogo, talvez por isso o tempo seja um assunto tão recorrente na série, em que os quebra-cabeças e calabouços alternam em igual importância com as histórias que são contadas.
A História da Fantasia
A história da Literatura Universal está intimamente ligada à história do gênero Fantasia. Títulos como a Odisseia, A Divina Comédia ou as Lendas Arturianas são exemplos da versatilidade do gênero e da importância histórica/literária do mesmo. Os termos que delineiam as propriedades exatas do gênero são controversos, já que por ser permissivo, a Fantasia acaba por se misturar a outros gêneros durante a execução da história, como ficção cientifica ou horror.
Existem alguns fatores em comum a toda obra ligada a Fantasia que ajudam na sua identificação, como o enredo se passar num mundo alternativo, onde de alguma forma (explicada ou não) a magia ou outro poder sobrenatural é possível, além de elementos universais como magos, guerreiros, feiticeiros poderosos, dragões e todo tipo de criatura fantástica/mitológica.
Além dos exemplos históricos do gênero, podemos apontar obras modernas como exemplos de Fantasia. Grandes autores contemporâneos ganharam visibilidade e ficaram conhecidos no mundo todo por suas obras, como os autores de A Song of Ice and Fire (As Crônicas de Gelo e Fogo), The Lord of Rings (O Senhor dos Anéis), Harry Potter e The Chronicles of Narnia (As Crônicas de Narnia).
Vivendo a História, Jogando a Fantasia
Quando falamos em experiências capazes de proporcionar um alto nível de “imersão”, não há como não citar os jogos. A narrativa deixa de ser um objeto contemplado pelo expectador e passa a ser um experiência vivida na prática. Mesmo textos literários escritos sobre a ótica de um “narrador personagem” em que somos colocados na história lendo frases em primeira pessoa, consegue ser mais imersivo. Nos jogos fazemos parte das histórias, estamos dentro da situação. Existe um crescente número de jogos sobre realidade, em que muito do que fazemos no dia a dia é transportado para “o mundo virtual”, mas jogos que criam novas possibilidades serão sempre o foco da grande maioria dos títulos. Dar ao expectador/jogador uma experiência que ele não é capaz de ter no cotidiano com a intensidade que os jogos dão é de longe uma vantagem. Em que outra mídia seríamos capazes de destruir monstros, salvar princesas, descobrir novos mundos e salvar o universo incontáveis vezes, isso usando nossas próprias mãos?
A História do “Historia”
Umas das questões mais debatidas a respeito da franquia era sua cronologia. Entre fatos e boatos, a tão questionada cronologia foi finalmente revelada no livro oficial Hyrule Historia. Olhando, a grosso modo, o livro parece muito mais uma coleção de imagens e algumas poucas descrições. Só um olhar atento pode notar que a publicação é muito mais que isso. O livro conta a lenda desde a origem, organiza seu apanhado de histórias, implica possíveis relações entre os títulos e direciona certos raciocínios. Justificando o livro não ser clássificado como enciclopédia, por ser um livro que fala de histórias. Isso reforça a ideia de que Zelda, bem mais que um jogo, é uma narrativa fantástica, com uma história própria, com um universo próprio. Isso faz do título, um dos mais dependes do enredo dentre o jogos da Nintendo.
Um jogo com gênero literário
Dado aos pontos acima citados é fácil ver a relação que The Legend of Zelda tem com o gênero Fantasia. É certo que nem tudo no jogo é “escrito” e que os diálogos são só uma parte de conteúdo, que é acrescentado pelos cenários, pelos acontecimentos, além da dinâmica natural do enredo e sua jogabilidade.
É coerente afirmar que, caso fossem transcritas e adaptadas, as histórias dos títulos da franquia renderiam excelentes títulos de Fantasia. A série em si é cheia de referência aos Contos dos Irmãos Grimm (que comumente estão associadas à fantasia) como Cinderela, a Peter Pan de J. M. Barrie, aos mitos e lendas Celtas (gnomos, elfos, fadas, Ents..), as mitologias Grega, Egípcia e Japonesa além de diversos personagens do folclore mundial como Dragões, Lobisomens, Sereias entre outros.
A própria história da criação de Hyrule e toda sua cronologia, até seus personagens mais icônicos são pequenas releituras de histórias populares misturadas às suas histórias originais, criando esse universo fantástico, seus heróis, seus vilões e seus moradores.
Dos autores e suas obras
Existe um padrão que liga Zelda às histórias fantásticas da literatura universal. Link é alguém sem muita esperança em busca de um objetivo, que se não for cumprido, pode levar à destruição do mundo.
Mesmo que em escala menor, as histórias sobre fantasia são largamente associadas a um objetivo grandioso. Como que para destacar o herói e sua jornada, o personagem, ou grupo de personagens, evolui e amadurece durante o desenrolar dos acontecimentos. Eles formam alianças, perdem companheiros, vivem aventuras e em meio ao desenrolar do enredo encontram criaturas e seres fantásticos, divindades, além de enfrentar grandes perigos, escapando diversas vezes da morte.
Mesmo que em pontos diferentes de uma reta, se compararmos As Crônicas de Gelo e Fogo e Harry Potter, em que ambos possuem elementos fantásticos bem diferentes, podemos observar que em alguma hora as histórias cruzam pontos em comum. As largas diferenças que vemos nas obras são claramente influenciadas por seus autores que para fazer valer a proposta da trama, acabam por dar uma identidade própria a sua obra. Isso gera as peculiaridades de cada título, muitas vezes criando elementos universais próprios como língua, história cronológica, cultura e elementos sociais/religiosos diferentes dos que conhecemos.
O Livro, o Filme e o Jogo
É recorrente na história da literatura suas diversas adaptações para outras formas de entretenimento. Não é raro ver uma história que deu certo nos livros migrar adaptada para as telas do cinema, para o teatro, para a televisão, para os quadrinhos ou para os jogos. O contrário tem ficado comum também. Além de mídias que de tão unificadas ficam dificílimas de se definir como sendo uma ou outra coisa. Jogos/Filmes Interativos que possuem os famosos quicktime events são um exemplo disso como: Jurassic Park, Walking Dead, Heavy Rain que, mesmo não sendo Fantasias, existem exclusivamente pra contar uma história.
Ganhamos muitos clássicos assim. Mesmo que nem sempre essas adaptações façam jus aos títulos originais, haverá sempre uma leva de pessoas dispostas a consumi-las.
The Legend of Zelda ganhou algumas adaptações, como uma série de mangás, um livro oficial (citado acima) e uma animação (muito criticada pelos fãs, inclusive), além de adaptações não oficiais como teasers e trailers de filmes, fanfics, quadrinhos e jogos independentes, e diversos produtos tematizados como action figures, consoles, roupas e brinquedos.
Zelda é para ler e jogar
The Legend of Zelda é muito mais que um jogo, É como um livro que deve ser apreciado enquanto jogamos. Não é sobre qualquer princesa. Não é sobre qualquer reino. A Lenda de Zelda é sobre uma história, e é sobre como varias delas se conectam, mais que dar uma experiência de jogo a Lenda visa contar essa história. Nos fazendo viver uma fantasia de fato. Tudo deve ser observado, e levando em conta como uma história que é narrada a cada novo lugar descoberto. A trama, mesmo que às vezes simples e com objetivos claros, é cheia de detalhes e segredos que precisam de atenção ao passarão despercebidos. Mesmo depois da divulgação da cronologia oficial, e ainda levando em conta os retcons, a história de Hyrule ainda guarda muitos fatos inexplicados bem como uma fantasia que toma para si traços de suspense.
Poucos jogos narrarão uma Lenda como a de Zelda e poucos livros contarão uma história como a dela. Jogar Zelda é como ler um livro de fantasia que nunca foi escrito.