Há 25 anos, The Legend of Zelda é uma série de sucesso com uma fórmula consideravelmente simples. Um herói que salva o mundo de vilões utilizando sua espada. Desse mesmo sistema têm vivido muitas séries da Nintendo. Mario, Pokémon, Metroid também são jogos que possuem fórmulas sendo reaproveitadas por muitos anos, criando sequencialmente muitos títulos de sucesso. A preferência por séries possui muitas vantagens, mas também desvantagens. Por um lado é possível se utilizar de um background já feito para ter mais segurança de retorno; por outro lado, o jogo precisa ter certo equilíbrio de novidades e tradições para que não perca a identidade, tampouco fique repetitivo.
Continuações descontínuas
A identidade aqui é uma das maiores dificuldades. Isso porque é algo que depende muito mais do público do que dos próprios desenvolvedores. Quais elementos fazem os jogadores identificarem o jogo como daquela série? O personagem principal? As armas? A arte? A música? As mudanças são necessárias, pois fazem com que haja a manutenção do interesse pela série. No entanto, caso essas mudanças ultrapassem certo nível, podem descaracterizar a série, fazendo com que se pareça um jogo totalmente diferente.
A famosa série Resident Evil passou por alguns problemas de identidade durante sua vida. Em meados dos anos 2000, uma de suas continuações foi tão descaracterizada na produção que foi desmembrada e se tornou um novo jogo, Devil May Cry. Para quem conhece a série DMC, é difícil acreditar que ela um dia foi um projeto de RE. A decisão de dar outro nome para o jogo foi uma grande sacada dos desenvolvedores. Criaram um jogo de muito sucesso que possui suas próprias continuações.
Mais tarde, em 2005, a Capcom lançou o Resident Evil 4. Para a surpresa dos fãs, esse jogo se tornou algo totalmente diferente do que havia sido lançado até então. RE mudou de uma série de survival horror para uma série de ação. O jogo se tornou mais dinâmico, a câmera foi para trás do personagem o acompanhando, os sustos diminuíram e as grandes ondas de inimigos surgiram. A partir daí, RE nunca mais voltou a ser o que era. A ação tomou totalmente o lugar do survival horror, chegando ao ápice no último lançamento Resident Evil: Operation Racoon City.
Silent Hill por outro lado, que começou também como um survival horror, teve suas próprias mudanças na sucessão de seus lançamentos. Alguns elementos de jogos de ação foram implementados, no entanto, houve um maior cuidado em manter a identidade da série. A ambientação, a aparência dos inimigos, o suspense da história, a abordagem psicológica… Tudo isso contribuiu para que a essência de SH não se perdesse. Já RE é considerado um jogo totalmente diferente do que originou a série, perdendo totalmente sua identidade.
A identidade sólida da Nintendo
Em geral, os jogos exclusivos da Nintendo não possuem grandes problemas com descaracterização. Os personagens coloridos e caricatos ajudam um pouco nesse assunto. A fórmula pouco mutável também é um fator que ajuda a consolidar a identidade das séries. Dificilmente algum jogo da série Mario será descaracterizado. Quando o Nintendo 64 foi lançado, houve uma grande dúvida em como ficariam os jogos com gráficos poligonais e três dimensões. Os jogos, com exceção ao Donkey Kong, tiveram uma boa adaptação ao 3D. Talvez o mais surpreendente de todos tenha sido o Metroid. O lançamento de “Metroid Prime” para GameCube mudou o jogo de side-scrolling para first-person shooting, mas ainda assim, conseguiu manter muito do que a série proporcionou.
Zelda também teve uma ótima adaptação. Ao contrário de muitos jogos 3D, não foi implementado um botão de salto. Isso foi muito condizente com o estilo flip-screen dos jogos 2D. Jogos em estilo flip-screen geralmente não possuem salto pois a dimensão da altura não é mostrada. Existem alguns tipos de mecanismos que podem dar a impressão de altura, mas não é algo que pode ser largamente explorado. Jogos side-scrolling possuem apenas altura e largura, deixando de fora a profundidade. Dificilmente pode existir um jogo side-scrolling sem um botão de salto. Os jogos no N64 tiveram uma herança nesse quesito. Jogos side-scrolling como Mario tiveram a implementação de um botão de salto enquanto jogos flip-screen como Zelda não o possuem.
A mecânica das dungeons também foi muito influenciada pelos jogos antigos. Ir de sala em sala, matar inimigos ou apertar botões para destravar portas, completar puzzles… O 3D não apagou elementos da série, apenas somou inovações à fórmula antiga. Essa também é uma das grandes razões para a expectativa de uma versão de “The Legend of Zelda: A Link to the Past” para 3DS. Releituras não são muito comuns nas principais séries da Nintendo, no entanto, Zelda já se mostrou muito apto a render jogos de essência muito parecida, tanto em 2D quanto em 3D. O mesmo não aconteceria na série Sonic, por exemplo. Nela, os jogos 2D e 3D não compartilham em quase nada características. São praticamente ramos diferentes da série.
Por possuírem essa identidade tão forte, os jogos da Nintendo foram os que mais conseguiram espaço na cultura popular. Não há hoje quem olhe um cogumelo vermelho com bolinhas brancas e olhos pretos e não relacione diretamente com a série Mario, seja essa pessoa jogadora ou não-jogadora. A Nintendo se aproveita muito bem disso, usando e abusando de seus personagens-ícones. Qual a necessidade de se ter personagens da série Mario andando de kart, jogando tênis, golfe ou basquete? Nenhuma a princípio. No entanto, nenhum desses jogos teria sido o mesmo sem serem alavancados pelo encanador italiano e seus amigos.
Os reaproveitamentos da série Zelda
Apesar de Link também já ter seu espaço na cultura popular, ele não é um personagem tão facilmente implementável em fórmulas diferentes. Ele é bem menos caricato que outros. Sua forma humana e sua história não permitem que ele seja utilizado em qualquer jogo. Algo parecido com o que acontece Samus Aran da série Metroid. Esses jogos facilmente perderiam sua identidade se fossem tirados de seus contextos originais.
Uma das formas mais utilizadas na manutenção da identidade em Zelda é o grande reaproveitamento de elementos já utilizados. Isso acontece em todo o tipo de categorias. Há reaproveitamento de itens, lugares, nomes, inimigos, histórias, vilões, símbolos, puzzles, temas, músicas… Um jogador assíduo de Zelda dificilmente se sente perdido em jogos, ainda que esteja jogando pela primeira vez um lançamento. Isso porque, ainda que algumas coisas mudem, o principal continua intacto.
Temos como exemplo a presença da música com a participação de instrumentos diversos; as tribos que se repetem, como os zoras, gorons e sheikah; a arte dos escudos, com fundo azul e detalhes vermelhos; a túnica verde de Link e os trajes rosados de Zelda; o castelo de Hyrule branco de telhas azuladas; a égua com pelos castanho-claros chamada Epona; entre outras coisas.
Vemos muito claramente a preocupação com a manutenção da identidade em “The Legend of Zelda: Ocarina of Time”. Os dois primeiros chefes do jogo são velhos conhecidos de outros jogos. Gohma e Dodongo apareceram em “The Legend of Zelda”, para NES. Essa foi uma ótima jogada da Nintendo, colocar elementos já conhecidos logo de cara no jogo, principalmente o “Ocarina of Time”, que possuía o maior perigo de descaracterização.
Usando e abusando
O grande problema dos reaproveitamentos em Zelda é que são utilizados de maneira excessiva. O Dodongo, por exemplo, foi uma boa sacada para “Ocarina of Time”. Esse chefe, no entanto, foi utilizado pelo menos quatro vezes na série com suas variações. Em “Skyward Sword”, apesar do chefe Dodongo não aparecer, sua mecânica de batalha foi copiada para o chefe do Earth Temple. “Jogue bombas enquanto o chefe suga o ar para que as engula. Quando explodir, se aproxime e ataque com a espada. Caso ele termine de aspirar o ar e não engula bombas, desvie dos ataques de fogo. Cuidado quando ele começar a rolar”. E então? Estratégia do King Dodongo ou da Scaldera?
Isso acontece ainda mais descaradamente com a Gohma, que possui cerca de seis versões na série Zelda. Gohma começou como aranha gigante; ganhou garras e ficou parecida com um caranguejo; começou a se equilibrar em um pé só e ganhou filhotes ajudantes; se transformou em uma serpente de lava e então tomou forma de aranha mais convencional, mas com um olho gigante nas costas.
Por que existe a necessidade de continuar ressuscitando esse chefe? Em “Wind Waker”, por exemplo, não há a menor necessidade de chamar o chefe de Gohma, sendo que não se parece em nada com uma aranha. Em “Twilight Princess”, a temática da dungeon “Temple of Time” poderia abordar muitos chefes diferentes, originais, com mecânicas diferentes. Por que não conseguem desapegar de certos elementos?
Há muitos outros chefes que, apesar de não terem o mesmo nome, são muito parecidos e possuem mecânicas parecidas. Um exemplo é o grupo de chefes que são uma cabeça e duas mãos flutuantes. Mazaal e Gohdan em especial são extremamente parecidos, tanto na mecânica quanto na arte.
Maravilhoso contraponto
“The Legend of Zelda: Majora’s Mask” foi um jogo que se utilizou razoavelmente menos de reaproveitamentos. Apesar de todos os personagens de “Ocarina of Time” terem sido utilizados no contexto do universo paralelo, “Majora’s Mask” ousou a inovação em muitos aspectos.
Toda a temática medieval anterior foi suprimida. Link foi jogado em um contexto muito diferente dos outros jogos. Termina, diferentemente de Hyrule, é uma terra muito mais avançada social e tecnologicamente. Não há uma monarquia unificadora como a de Hyrule. Cada povo é independente e vive à sua maneira.
Não só na temática esse jogo é diferente. Há muitos inimigos novos também. Os chefes são o maior exemplo disso. É o jogo com o menor número deles, quatro sem contar com o chefe final. As formas, cores, mecanismos e estratégias são inéditas e criativas. Odolwa, por exemplo não possui as características típicas de um chefe de Zelda. Não é temático e também não possui um ponto fraco claro, fazendo com que existam muitas estratégicas diferentes para derrotá-lo. Os outros chefes seguem algo parecido. O sistema de achar a arma do templo e derrotar o chefe com ela não é seguido à risca.
Apesar de todas as mudanças, a identidade de “Majora’s Mask” como um jogo da série Zelda dificilmente é questionada. Os poucos elementos mantidos foram suficientemente significantes para que a essência do jogo não fosse perdida. A experiência, no entanto, não foi levada adiante. Os chefes temáticos voltaram com toda a força, bem como os pontos fracos cintilantes esperando para serem acertados pela arma conseguida no templo.
Com os olhos no futuro
O que resta realmente de Zelda que já não tenha sido utilizado e reutilizado nesses 25 anos? Pouca coisa realmente. Os jogos trazem consigo o enorme peso do passado glorioso e mexer nessa história é algo muito arriscado e perigoso de se fazer. “Majora’s Mask” deu certo, mas quem garante para os outros que virão? Os jogadores não parecem se importar muito com isso por enquanto. Por enquanto, a fórmula é boa e divertida do jeito que está. Esses possuem olhos cansados que só sabem ver o que se foi. Os olhos que visam o futuro não são pontos fracos. São fortes e não cederão tão facilmente a fechadas ou pedradas.