Uma Espada foi o primeiro item recebido ao começar a primeira aventura sob um título The Legend of Zelda. Não é a toa que focar o enredo nesse item nas comemorações de 25 anos da série no ultimo jogo original foi uma escolha clara pra não dizer óbvia e pertinente.
A lenda de Link é a história sobre um garoto que vive uma vida comum até se ver destinado a salvar sua terra, libertar seu povo e proteger sua princesa, isso sem ter algum super poder além da própria coragem e uma simples espada.
Essa fórmula “Herói-Espada” não é exclusiva de The Legend of Zelda, outros podem até dizer que é batida e repetitiva, porém é o significado e a importância por trás da relação entre um herói e sua espada que está aquilo que ainda mantém a lenda viva.
It’s dangerous to go alone! Take This.
Na tela inicial do menu principal, após iniciar um novo jogo e escolher o nome do personagem, somos apresentados a um prelúdio que explica o básico do enredo.
Assim, nos primeiros segundos após tomar o controle de Link nos fazemos uma pergunta: “onde eu consigo a espada?”.
As principais progressões no jogo são baseadas nesse item, e geralmente a primeira “missão” está associada a ele. Isso só demonstra o quão essencial é a espada para a aventura, afinal é perigoso ir sozinho…
Desbravar os mapas explorando os diversos locais dos jogos seria impossível sem uma espada. Afinal os campos, dungeons, céus e mares estão infestados de perigos. Inimigos que espalhados ou à espreita são munidos de capacidade de ferir, nos dando um belo “Game Over”.
A espada, mais que um instrumento de ataque, é a ferramenta de defesa que nos mantém na esperança de cumprir nossa missão, seja ela qual for; ela nos é dada de inicio não só para derrotar os inimigos, mas para não sermos derrotados por eles.
É como em The Legend of Zelda que possui um mapa extenso e cheio de segredos, e onde existem pouquíssimos NPC’s (personagens não jogáveis), dando um aspecto de solidão ao título. A frase icônica dita no inicio do jogo faz uma espécie de ponderação interessante. Numa tradução simples o sábio da caverna diz: “É perigoso ir sozinho! Pegue isto”. No entanto o que ele faz é presentear link com sua espada. Se observarmos bem Link ainda continua sozinho, a única mudança agora é que ele está armado; não seria mais fácil então dizer que é perigoso ir desarmado? A menos que sob a ótica do jogo a espada seja importante a ponto de se tornar uma companhia para o herói, saindo do papel de item e assumindo o de um personagem independente.
Espadas criadoras de lendas
Espadas e lendas sempre andaram em sintonia. A literatura universal está repleta de exemplos de espadas famosas que nas mãos certas conquistaram reinos e destruíram impérios. Dotadas de poderes mágicos ou guiadas pelas habilidades de seus espadachins, elas foram criando a cultura que nos é apresentada: o herói sempre porta uma espada.
Excalibur era tida como lendária e poderosa e só seria arrancada de seu pedestal de pedra pelas mãos do legítimo Rei da Grã-Bretanha, ou, numa outra versão do conto, é entregue a ele pela “dama do lago”, uma sacerdotisa de Avalon.
O deus xintoísta Susanoo, após derrotar a cobra de oito cabeças Yamata no Orochi, presenteou sua irmã, a deusa Amaterasu, com a lendária Kusanagi – a espada encontrada no corpo do mostro – como uma forma de redenção por seus erros.
A cultura popular em geral está repleta delas, posso citar inúmeros exemplos: Sabres de Luz (Star Wars), Espada Justiceira (ThunderCats), Zanpakutous (Bleach), Sakabatou (Rurouni Kenshin), Espada de Gryffindor (Harry Potter), Ferroada (O Senhor dos Anéis), Needle (Game of Thrones), Key Blades (Kingdom Hearts), Buster Sword (Final Fantasy) e se continuarmos assim a lista ficará quase infinita.
Pelo Exercício do Propósito
A ambientação medieval da série é uma característica clara, e definida por inúmeros elementos: castelos, monarquia, dragões, escudos com desenhos de cruz, espadas europeias (que lembram cruzes pelo seu formato), igrejas, adoração a uma trindade, soldados com lanças, até mesmo o vestuário dos personagens são provas o suficiente dessa observação. Como a ambientação não é só estética, já que muito da cultura medieval aparece nas relações entre os personagens, podemos concluir que a série herdou muitos aspectos sociais que de praxe influenciaram nas histórias contadas ao longo dos tempos. Citações às pelejas nos textos narrativos de alguns títulos dão a entender como a mentalidade medieval-europeia pode ter sido aplicada no enredo, mesmo que de forma sutil.
Guerras civis (como a citada em Ocarina of Time), batalhas contra tribos hereges (na batalha contra os Dark Interlopers contada em Twilight Princess) ou a Guerra do Aprisionamento (narrada em A Link to the Past) podem ser comparadas às cruzadas feitas pelos cristãos europeus em prol da visitação a Jerusalém na época da expansão do Cristianismo pela Europa. O próprio Sacred Realm no original japonês é nomeado como Seichi, que traduzido fica algo como Terra Sagrada, e Terra Sagrada remete ao Cristianismo (Jerusalém e Nova Jerusalém), assim como teoricamente essa era a religião base nos três primeiros títulos da série.
O que isso tem a ver com espadas? Tudo! As cruzadas e guerras medievais eram travadas portando espadas, lanças e arcos. Naquele tempo as espadas representavam um ideal a ser seguido, um objetivo, uma crença, eram usadas na consagração de cavaleiros durante as cerimônias oficias da monarquia, em festejos sempre tinham exibição de luta com espadas. Erguê-las tinha um propósito maior que tirar uma vida, elas protegiam a fé de um povo, protegiam a honra de um homem e de sua família, que ao fim da batalha eles deitavam suas espadas que já não eram mais necessárias a fim de representar o propósito alcançado.
Espadas ou Pistolas?
Grandes momentos históricos foram construídos com ajuda das espadas. Seja como instrumento de guerra, em pelejas por conquista de território ou em defesa de um ideal, elas sempre foram erguidas e transpassadas em lutas que justa ou injustamente precisaram ser vencidas.
Miyamoto Mushashi, o samurai tido como o maior herói japonês, viveu num período de transição durante o Tokugawa, onde aos poucos as espadas eram substituídas pelas ainda primitivas armas de fogo.
Dito ser um exímio espadachim, Miyamoto venceu mais de sessenta oponentes até ser considerado o maior símbolo do bushido: ideologia que compreendia o espadachim com sua espada desembainhada a maior realização individual. É natural que histórias como essa estejam enraizadas na cultura japonesa, berço do criador de Link e de tantos outros ícones dos games. Seria esse o motivo do jovem hylian portar uma espada e não uma arma de fogo? Ou a ambientação fantasia-medieval dos títulos exigiria algo mais compatível?
É sabido a partir das artes conceituais de alguns jogos da série e de declarações do próprio Shigeru Miyamoto, que houve momentos em que a ambientação se passaria numa espécie de futuro, tendo inclusive nossa conhecida Triforce como objeto eletrônico e não mágico. Talvez a arma não fosse a famigerada espada que tanto foi citada mais acima, mas sim uma “pistola a laser”.
O que seria de nosso herói sem sua arma ícone nos anos em que foi criado? Jogos com armas de fogo eram comuns nos fliperamas, as principais mídias de entretenimento tinham armas como foco: filmes, séries, tudo no futuro estava armado! No entanto, o conceito de The legend of Zelda não. A lenda foi criada pra ser um diferencial. O conceito de “explorar” nascido da experiência que o jovem Shigeru Miymoto tivera na infância em sua terra natal talvez não pudesse ser aproveitado na sua totalidade se o foco não fosse outro que a não a própria exploração. Dar uma arma de fogo a Link criaria um jogo com uma premissa completamente diferente; prova disso é que a habilidade da lançar o poder da espada era perdido com o primeiro contato com o inimigo. E mesmo experiências próximas a isso são sempre limitadas, como é o caso das flechas, estilingue e bumerangue.
Crossbow Shooter
E se de repente por um inspirar de ideias o lendário Shigeru Miyamoto resolvesse criar um “Zelda” em que não houvesse as famigeradas espadas? Talvez pensar em uma ideia assim antes da criação de Link’s Crossbow Training fosse considerado perda de tempo ou sandice. Hoje sabendo que tal “Zelda” existe assim podemos pensar nas implicações e nos motivos de um titulo como esse estar associado à franquia.
Na época do lançamento do jogo para Nintendo Wii (em 2007), um dos famosos “Iwata Asks” foi feito a respeito dele. Numa das perguntas iniciais feitas ao criador da série, o presidente da Nintendo do Japão Satoru Iwata questiona: “o que você tinha em mente quando criou Link’s Crossbow Training?”.
A resposta veio simples e sem rodeios: “[…] Sempre gostei de jogos estilo tiro em primeira pessoa […]”
A associação a partir daí talvez fosse simples: a Nintendo estava colocando no mercado um acessório que imitaria uma arma, o Wii Zapper. Talvez para promover a jogabilidade revolucionaria dos controles por movimentos, era necessário ligar o acessório a uma franquia já estabelecida como forma de divulgar o produto, portanto uma de suas franquias principais deveria abraçar essa causa e se o jogo introdutório fosse posto sob responsabilidade do mestre ou seria um “Zelda” ou um “Mario”, já que são suas duas maiores criações, e pelo que vimos ele acabou optando pelo herói de túnica verde.
Apesar do jogo ser ambientado na Hyrule de Twilight Pincess, ele não possui enredo e é completamente linear, servindo como o próprio nome sugere, um treinamento de mira com a Wii Zapper, ou um passatempo competitivo entre amigos.
O Herói de Mãos Nuas
Até que ponto é valido a simbolismo da espada? O herói está definido por ela? O certo a se dizer é que quem triunfa é a espada ou o espadachim? Até que ponto as habilidades individuais estão acima do “poder” de uma espada? Talvez pensando nisso é que começamos a maioria das aventuras de Link com as mãos nuas.
Algumas vezes perdemos a espada e fomos colocados numa empreitada que só poderia ser vencida pela coragem e pelas habilidades individuais. Seja em Silent Realm durante os eventos de Skyward Sword ou invadindo Forsaken Fortress em The Wind Waker onde de alguma forma acabamos ficando sem a espada, é aí que precisamos provar que não é só “bater e andar”. Aqui ela mostra seu objetivo, a espada como complemento da jogabilidade sendo uma parte do herói; não o seu todo, nem o seu foco.
Não haveria mérito se a espada definisse o herói; o poder único de selar o mal da Master Sword ou a força esmagadora da Fierce Deity Sword seriam inúteis sem a coragem de Link de as empunhar, ou sem um propósito a cumprir. Provar o mérito e o direito de empunhar espadas tão poderosas aconteceram algumas vezes durante as histórias e se mostrar capaz de fazê-lo não foi o que fez do protagonista um herói de verdade, mas sim o que os resultados de seus esforços mostraram no fim de cada enredo.
Fi: Master Sword ou Espírito da Espada?
No ultimo jogo da franquia The Legend of Zelda – Skyward Sword – fomos apresentados a uma nova personagem: Fi.
Fi é o espírito que habitava a Goddess Sword, a espada criada pela Deusa Hylia, e cuja missão era guiar e ajudar o futuro herói escolhido a forjar a Master Sword e selar/derrotar de uma vez o Rei Demônio Demise. Durante a narrativa do jogo o espírito da espada como o “ajudante” da vez era capaz de dar dicas (muitas delas óbvias), fazer analises dos inimigos, indicar locais, objetos e pessoas, além de traduzir as mensagens deixadas por Hylia para Link. A entidade mostrou, mesmo que de forma superficial, talvez dada a ausência de sentimento humanos, que era uma companheira de jornada, alguém que estava no auxilio do herói e no comprometimento de sua missão, que sua existência tinha um propósito no qual ela estava engajada em cumprir, anulando o papel da espada como um item sem vida e fortificando a ideia inicial da mesma como companheira de jornada proposta no The Legend of Zelda original.
Mestre da Espada
Relacionar a espada e seu mestre, bem como contar a história da mais conhecida delas foi a missão empregada em Skyward Sword. Nas diversas aventuras de Link ao longo dessas quase três décadas, diversas foram as espadas empunhadas pelo herói. Espadas longas e curtas, pesadas e leves. Elas quebraram e foram restauradas. Ganharam o poder de derrotar espíritos ruins, de rebater magias ou de dividir o herói em quatro. Foram forjadas por gorons e por fadas com metais nobres ou de madeira, dadas ou encontradas, não importa, elas sempre estiveram lá.
Empunhadas e erguidas sob objetivo do herói, talvez nenhuma tão icônica e importante pro universo da série como a Master Sword, mas bem servidas a seu propósito.
Elas cumpriram o papel como esperado não deixando o herói sozinho, ajudando-o a manter a lenda de Zelda viva.
Mesmo com tantos itens não há nada que represente melhor a série que suas espadas, dado o simbolismo ou a jogabilidade única de cada uma delas. É certo dizer que Link sempre portará uma delas não importa o quanto à série inove ou quanto tempo passe.
E como uma espada sem propósito é só uma arma como outra qualquer, ao fim de cada jornada ela é devolvida a seu descanso merecido, aguardando até que o mal caminhe sobre as terras de Hyrule pra que de novo ela cumpra seu desígnio junto a seu mestre e companheiro.