Skip to main content

A adaptação animada de The Legend of Zelda certamente ficou marcada por vários motivos, seja por sua interpretação livre do jogo original, como por momentos inusitados que, por coincidência ou não, chegamos a ver sendo adaptado nos jogos atuais (surfar no escudo? O Link do desenho fez isso primeiro). Mas ainda sim é muita série bastante obscura no que se refere a sua produção e elaboração de roteiro.

Para esclarecer um pouco como foi esse processo, a usuária Brienne (@kzinssiebroiler) no Twitter perguntou diretamente à Eve Forward, que foi uma das roteiristas do desenho na época, sobre como foi trabalhar para o desenho de The Legend of Zelda. Eve explicou um pouco do quanto de material de referência eles tinham, da liberdade em cirar os roteiros e até chamou seu irmão Bob Forward, que também foi roteirista na série, para contar segredos dos bastidores.  Confira a seguir o tweet e logo abaixo a tradução para o português da conversa:


-Oi, eu sou Brienne e ando trabalhando em uma série de replays de Zelda (incluindo materiais spin-off) e estou prestes a chegar no último trabalho adjacente (Zelda’s Adventure para o CD-i). Gostaria de saber se poderia lhe fazer algumas perguntas sobre como foi trabalhar no desenho animado? Se estiver disponível, é claro.

-Claro!

-Então, acredito que minha maior pergunta é: o quanto de material de referência vocês tinham para trabalhar em cima? Vocês receberam algum tipo de “bíblia da série” ou lhe foram providenciadas cópias (ou qualquer cópia) do jogo e lhe mandaram se virarem?

-Nós tínhamos uma bíblia bem curta da série e sem referência nenhuma. Eu fui proativa e aluguei um videogame e o jogo para experimentar, mas não consegui ir muito longe e rapidamente percebi que o jogo não tinha nada a ver com o desenho, então eu desisti. A bíblia consistia em algumas poucas frases sobre cada personagem e outras coisas, como por exemplo evitar lutas corporaes e fazer uso do “raio”, para que os monstros “mortos” reaparecessem no covil do Ganon, etc. Incluindo aquela piada estúpida do “Desculpa aí, princesa [Excuse me, princess]”, que aparecia todos os episódios (porque um dos produtores achou que era MUITO engraçada), e tal…

-Obviamente que fico um tanto sem graça em o quão sexista aquilo era, mas isso foi nos anos 80, onde tudo era bem sexista no geral. Mas o desenho até tinha coisas a frente do seu tempo, como a Zelda não usar um vestido cheio de babados.

-Você se lembra se essa bíblia tinha algo dos personagens que não vinham dos jogos, como Spryte ou o Rei Harkinian, ou foi algo que você e/ou outros roteiristas bolaram?

-Ah, eles estavam á também! Tenho quase certeza que os únicos personagens que criamos eram aqueles que apareciam em um único episódio (como o cavaleiro).

Ei, acabei de perguntar ao meu irmão [Bob Forward, um dos roteiristas da série animada] se ele se lembra de algo. Chegaram a perguntar a ele um tempo atrás e ele salvou a resposta, aqui está:

“Não sabia de nada do jogo, só que meu filho Max conhecia. Ele estava empolgado porque nos deram um cartucho do jogo de graça para jogarmos. No final acabei fazendo uma espada e escudo do Link feitos de madeira. Para mim, o manual ajudou bastante em determinar os parâmetros do desenho.

[O desenho de]‘Zelda’ era bastante invisível na época. Passava apenas nas sextas, enquanto nos outros quatros dias passava Super Mario Brothers Super Show, que detinha toda a atenção do estúdio. Ele era coordenado por Bruce e Reed Shelly. Como tinha segmentos em live-action e precisavam de quatro roteiros por semana, enquanto eu ficava com apenas um, eu acabava me vendo um tanto sozinho, fora umas exigências orçamentárias e de FCC (?). Na verdade, era meu jeito favorito de se trabalhar.

Ganon tinha um robe longo e flutuante, o que era caro para ser animado, então decide apenas teletransportar ele para todo lado. Era mais barato e bem mais maneiro.

A fada era um elemento pequeno no jogo original, então eu decidi fazê-la uma personagem e fofa, porque, como muitos caras trabalhando no ramo da animação na época, minha primeira fantasia sexual com uma personagem foi a Sininho (Aquela cena que ela fica de pé no espelho preocupada da bunda dela ser grande demais? Ainda tenho cravado na minha cabeça). Chamá-la de Sprite foi por motivos bem óbvios e, após fazer uma pesquisa de marca registrada, se tornou o nome dela dali em diante.

De desenhos anteriores, eu já estava cansado de heróis que apenas restauram o status quo. Vilões faz algo, os heróis os impedem. O problema disso é que no final os vilões acabam sempre se tornando o personagem mais interessante. Então eu resolvi dar para cada lado uma Triforce, dando uma chance justa para nossos heróis tomarem a iniciativa em tentar tirar a Triforce que estava na posse do Ganon.

A relação Link/Zelda foi baseada no programa “Moonlighting”[no Brasil, “A Gata e o Rato ”] (que era popular na época). O VP de Assuntos Criativos, Robby London, sentiu que deveríamos usar isso como um modelo de relacionamento, e eu concordei. Uma das coisas boas sobre o Robby é que ele não tem problemas em tomar decisões, o que, honestamente, foi de grande ajuda. Você não precisa concordar com a decisão, contanto que seja tomada rapidamente e com firmeza. Uma vez que a tem, você pode seguir em frente. Exemplo: ele também teve a ideia do “Desculpa aí, Princesa!” baseada no bordão “Excuuuuse me!” de Steve Martin, que também era popular na época. Para ser honesto, eu não gostei muito da frase e decidi provocá-lo usando-a constantemente até ele ficar enjoado. Ao invés disso, ela acabou ficando bastante popular, então, créditos para ele — ele estava certo afinal de contas. E John Grusd (da linha de produção) costumava reclamar que eu gastava metade do programa com pessoas voando disparando armas, mas ele fez um grande trabalho em conseguir fazer isso dentro do orçamento.

A melhor lembrança do programa foi que o Andy Hayward, o presidente da DIC, percebeu ao final da roteirização que absolutamente ninguém estava supervisionando os roteiros de Zelda, então ele teve que sentar um dia e ler todos de uma vez. Ele é esse tipo de cara. Eu notei que estava prestes a me dar mal por todas as referências que consegui colocar sorrateiramente, mas o Andy gosta de um diferencial nos seus programas. Ele olhou tudo, ficou admirado, e disse: “Cada uma é uma pérola!” e não tocou em nada.

De maneira geral, Zelda foi muito divertido.”

-Eve aqui de novo: e eu entendo isso, meu irmão ‘inventou’ alguns dos personagens etc., e eu não tinha percebido isso, ou tinha esquecido.

Como eu disse, eu era muito jovem e egocêntrica, e Rob e eu nos comunicávamos principalmente por fax (nós odiávamos ligações e e-mails não existiam ainda), então eu não estavam lá para observar de perto.

– Obrigada por todas as informações! Você se importa se eu tweetar screenshots dessa conversa?

– Fique à vontade!


A série animada de The Legend of Zelda foi ao ar em 1989, dentro do bloco de desenhos do Super Mario Brothers Super Show. No Brasil, o desenho chegou em meados de 1991, dentro do programado Xou da Xuxa. Se quiser, pode conferir todos os episódios que legendamos clicando aqui. E se quiser saber mais sobre o desenho, escute nosso Papo de Milk Bar dedicado ao desenho clicando aqui.

Tradução da entrevista por Samir “Twero” Fraiha e Marcos “marcosx” Paulo.

Fonte: Twitter de Brienne

Leave a Reply