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Alguns dias atrás o canal The Game Theorists lançou um vídeo comentando a possibilidade do Link de The Legend of Zelda: Majora’s Mask estar morto durante o jogo, sendo aquela uma jornada de aceitação da própria morte. Devo admitir que gosto do canal e que a teoria não é ruim comparada com outras que já apareceram por aí. Quem não se lembra do Hylian Dan e sua fanfic teoria da Stone Tower? Teorias não são histórias que a mente mirabolante de cada um pode criar. Uma teoria necessita de provas, de argumentos embasados e não é simples especulação. Nesse quesito, o trabalho dos Game Theorist não é assim tão ruim, mas isso não faz com que seja uma teoria boa.

Para decupar o vídeo e facilitar o entendimento, vamos listar os argumentos utilizados:

  • A jornada em Majora’s Mask segue os cinco estágios do Luto (Grief Theory)
  • Link não poderia ter caído de uma altura tão grande no começo do jogo e não ter morrido
  • Epona não poderia ter atravessado as primeiras partes do jogo e chegado em Romani Ranch
  • Termina não poderia ter um céu se fosse um mundo subterrâneo
  • Se considerar o purgatório uma dimensão paralela, Termina poderia ser o purgatório
  • Em Termina, Link encontra todas as pessoas que já conheceu em sua jornada durante Ocarina of Time
  • Hero’s Shade é o Link do Ocarina of Time/Majora’s Mask que não conseguiu passar seus ensinamentos, possivelmente por Link ter morrido em sua jornada
  • Happy Mask Salesman diz a Link “You’ve met a terrible fate, haven’t you?” (Você encontrou em um destino terrível, não encontrou?) durante o começo do jogo e toda vez que você perde o jogo deixando a Lua cair em Termina.

Ufa… Vamos lá então.

A Teoria do Luto

Para quem não conhece, existe uma hipótese chamada de Modelo de Kübler-Ross ou Os cinco estágios do luto, criado por Elizabeth Kübler-Ross em 1969 em seu livro On Death and Dying. Nele, Elizabeth diz que alguém que se percebe próximo da morte passa por cinco estágios emocionais: Negação, Raiva, Barganha, Depressão e Aceitação.

Em posse disso, foi criada uma teoria por Brian Keen que relaciona esses cinco estágios com as cinco regiões de Termina.

Clock Tower é a negação. Ninguém na cidade quer admitir que a lua vai cair.

O Southern Swamp é a raiva. Os Deku Scrubs estão se apressando para matar um macaco que eles acusam de todos os seus problemas, mas que não teve nenhuma responsabilidade.

A Snowhead é a barganha. Os Gorons, congelando e famintos, continuamente mantêm a esperança de que o herói morto voltará a salvará a todos.

A Great Bay é a depressão. Os Zoras perderam sua cantora e ficam apenas sentados o dia inteiro tristes.

O Ikana Valley é a aceitação. Sem mais máscaras de transformação e com todos na região já mortos, a única coisa que sobra a Link é ele mesmo.

Essa teoria foi concebida primeiramente com a proposta de mostrar que Link não pode salvar a todos, que no final da jornada, ele não consegue se reunir com Navi e precisa aceitar isso.

A Grief Theory original, como podem ver, é bem curta e simples, mas foi passando na mão de várias pessoas, aumentando até virar o que vemos no vídeo e em alguns sites por aí. É uma teoria muito interessante, mas possui suas falhas e inconsistências.

Em Clock Tower, não são todos que negam o fato da lua cair. Há pessoas que realmente estão com medo e resolvem fugir da cidade durante o jogo.

Voltar para onde?? Essa cidade não vai ser destruída pela lua depois de amanhã pela manhã? – Mãe da Anju

Parece que é isso para essa cidade, sabe. Você viu a lua, não viu? Ela ficou tão grande. Todos os habitantes fugiram. Você deveria fugir também. Para bem longe… – Guarda

Não é como se as pessoas de Clock Town negassem que a lua fosse cair. Todos fugiram e sobraram apenas os céticos. Apenas para continuarmos com o texto, vamos forçar e dizer que o sentimento geral do lugar poderia ser o de negação.

Em Southern Swamp, não são os Dekus que estão sentindo raiva, apenas o Rei. Isso é provado com a fala do Mordomo Deku:

Agora que nossa amada princesa está sumida, o rei tem estado incapaz de se acalmar… Temo que a princesa tenha se encontrado em algum problema, assim como o macaco diz… Mas nesse estado, o rei não pode nem mandar tropas para buscar por ela. O que podemos fazer?

Há ainda outros habitantes de Southern Swamps que cruzam com Link e estão em outros estados emocionais. O próprio mordomo está triste por não encontrar seu filho, os macacos estão com medo pelo amigo que pode sofrer execução, Koume fica preocupada com a irmã…

Em Snowpeak a situação é muito parecida. O vídeo diz que a barganha vem da atitude do fastasma de Darmani em prolongar a sua vida, mas em Snowpeak existem muito mais personagens com muitas outras emoções. O filho do ancião está triste e chorando, os gorons estão famintos… A própria Grief Theory original se trai nesse momento dizendo que a barganha seria o fato dos gorons manterem a esperança que o herói morto voltaria. Não seria isso a negação da morte? O primeiro estágio? De qualquer modo, quando você conversa com os gorons na forma de Darmani, eles ficam espantados, e nenhum deles parece que tinha alguma dúvida de que o herói estava morto. Há literalmente um túmulo para Darmani no cemitério Goron.

A Lulu é a escolhida no vídeo para representar a depressão em Great Bay. Embora ela realmente possa estar deprimida, há novamente todo um universo de personagens desconsiderados para representar a emoção do lugar. Até mesmo as piratas, embora sejam inimigas, são parte dos habitantes daquele lugar, e poderiam muito bem representar a raiva.

Em Ikana Valley… Bem… A explicação, tanto da Grief Theory original quanto do vídeo são mal formuladas e difíceis de entender. No vídeo ainda, é destacado o fato das flechas de luz na Stone Tower serem um símbolo da iluminação pessoal ao se aceitar algo. Argumento vago e difícil de engolir até para mim que estudei um ano e meio de semiótica.

A questão não é a de que é totalmente impossível que o Modelo de Kübler-Ross possa ser aplicado em Majora’s Mask. No entanto, não há padrão nenhum na escolha dos personagens ou das situações que representam cada uma das emoções. Uma hora é a população de Clock Town, outra somente o Rei Deku, depois o fantasma de Darmani, depois a Lulu… Isso desconsiderando toda a gama de emoções e personagens que aparece pela jornada de Link. Escolhendo tão arbitrariamente quais momentos representariam cada estágio não seria possível achar Grief Theories em todo lugar? Bastaria achar uma sequência não muito especial de negação, raiva, barganha, depressão e aceitação em qualquer personagem e momento.

O próprio Modelo de Kübler-Ross não é assim tão exato. Apesar da ordem ser correta, não é necessário passar por todos esses estágios segundo a hipótese, apenas dois. Posteriormente, a autora acabou ampliando o modelo observando que ele não se trata apenas da relação com a morte, mas com outros tipos de situações marcantes, como o divórcio, infertilidade e uso de drogas.

Tudo isso faz com que a Grief Theory, apesar de interessante, seja muito pouco convincente. Essa, no entanto, não é teoria própria do vídeo, foi apenas colocada para criar um clima e preparar o expectador. O grosso da teoria ainda está por vir.

Liberdade criativa, jogabilidade e level design

O próximo argumento do vídeo é a de que Link não poderia ter caído de uma altura tão grande no começo do jogo sem ter morrido. Para sustentar isso, os Game Theorists dizem que apesar da liberdade criativa que os autores podem ter, o jogo sempre levou à sério o dano por queda. Realmente, nos jogos da série, dano por queda é uma característica, mas isso não quer dizer exatamente que a queda é levada muito a sério.

Em Skyward Sword, Link pula no maior estilo Leap of faith de Assasins Creed de seu Loftwing para a superfície e evita sua queda usando um pano. Pode até ser um pano mágico, mas vamos combinar que é um pano que ele segura com as mãos. Em The Wind Waker, Link é arremessado contra uma parede por uma catapulta. Se a queda fosse algo tão realístico assim, em Skyward Sword teríamos um Link sem os dois braços e em The Wind Waker pedaços de heróis por toda a Forsaken Fortress. Até mesmo a queda dentro da Deku Tree através da teia de aranha não pode ser levada muito a sério.

Depois no vídeo, é dito que Epona não poderia ter seguido o caminho que Link precisou seguir em Lost Woods até chegar em Clock Town e depois ter sido achada em Romani Ranch. Se não é possível, simplesmente não existiu.

Existem duas possibilidades nesse caso.

A primeira é a mais óbvia. Que tal magia? Skull Kid tem o poder de fazer a lua se chocar contra a terra, transformar homens em crianças, o Link em Deku… Seria assim tão impossível fazer a Epona flutuar? Ou até mesmo teletransportá-la direto para o rancho?

A segunda hipótese é ainda mais simples. Não precisa de explicação. A questão aqui é que existem limitações quando se faz um jogo, principalmente na época do Nintendo 64. Em Ocarina of Time, como Saria conseguiu passar pelo lobo e pelos dekus no labirinto em Lost Woods para chegar no Templo da Floresta? Como Medli não foi morta até chegar no topo da montanha em The Wind Waker? Nem tudo é exatamente do jeito que nos é mostrado, muita coisa é apenas uma interpretação do lugar para que este seja jogável e precisamos considerar isso.

Lost Woods, por exemplo, é apresentado nas informações como uma floresta densa, confusa, de difícil acesso. Não seria possível, no entanto, seguir a descrição ao pé da letra ao criar o lugar. Colocar algo no estilo Slenderman empacaria o jogo que é um ação/aventura e precisa de certo dinamismo. As aberturas e troncos ajudam a passar para nós a sensação desejada ao ficar perdido em uma floresta apenas. Como Makar conseguiu chegar na sala do chefe de Forbidden Woods em The Wind Waker? Como Sheik aparece em Ocarina of Time dentro da Death Mountain sem se queimar? São questões que estão ligadas ao limite entre realidade e jogo, não precisam de explicação e não levam a nenhuma resposta.

O mundo paralelo de Termina

Outro ponto levantado pelo vídeo é o lugar que Termina ocupa no mundo. É dito que seria impossível que os habitantes de Hyrule não conseguissem ver uma segunda lua. Também é dito que Termina possui um céu apesar de supostamente ela ser subterrânea, considerando a queda de Link no começo do jogo. Isso não é novidade para ninguém. Mesmo antes do Hyrule Historia ter sido lançado, já era de conhecimento geral que Termina seria uma dimensão paralela a Hyrule, explicando desse modo os personagens serem todos iguais.

A verdade é que Majora’s Mask foi um jogo feito às pressas por Eiji Aonuma para ganhar uma aposta do Miyamoto, portanto economizaria muito tempo usar os mesmo sprites do título anterior. Vamos desconsiderar isso, porém, e pensar que a intenção do jogo foi a de criar um universo paralelo mesmo.

Os Game Theorists então dizem que o purgatório pode ser considerado um tipo de universo paralelo e isso explicaria Link encontrar as mesmas pessoas que conheceu na jornada anterior. Seria uma jornada interior, por entre suas próprias lembranças. Nesse caso, não tenho como refutar a possibilidade de Termina ser o purgatório. No entanto, é a mesma possibilidade de ser o nosso mundo, ou o mundo dos Pokémons, ou o mundo dos Power Rangers, ou o mundo VEH558 que eu acabei de inventar. Não existe nada que faça com que a possibilidade de ser o purgatório seja maior que qualquer outra das infinitas possibilidades. Dizer que algo é possível está muito longe de provar que algo é real. A representação mais difundida de purgatório que se conhece é a da Divina Comédia de Dante Alighieri, que se trata de uma ilha solitária com uma montanha, algo muito mais próximo da Koholint Island de Link’s Awakening.

Sem teorias, por favor. A Koholint Island não é o purgatório

Purgatório imaginado por Dante

O Hero’s Shade e o sangue do Herói do Tempo

Finalmente, a equipe do Game Theorists puxa o Hyrule Historia da manga e joga na mesa. Depois do lançamento do livro com a cronologia oficial de Zelda, é quase impossível criar qualquer teoria sobre o jogo sem citá-lo.

O trecho escolhido para engrandecer a teoria de que Link está morto é revelação de que o Hero’s Shade é o próprio Link de Ocarina of Time e consequentemente de Majora’s Mask. Ele tem o papel de ajudar o herói de Twilight Princess a dominar novas técnicas de espada e faz isso pois sente arrependimento de não ter conseguido passar seu conhecimento para frente.

É dito no vídeo que seria pouco provável que Link, após ter salvado Hyrule sentisse tanto arrependimento a menos que ele tivesse morrido cedo. O fato de a figura do Hero’s Shade ser semelhante a de um Stalfo ajudaria a confirmar a teoria, visto que Link teria morrido em Lost Woods e pessoas que se perdem na florestas viram Stalfos.

Realmente, é de se esperar que pessoas que se perdem na floresta acabem morrendo e se transformem em Stalfos. No caso de crianças, a transformação deveria ser em Skull Kids, mas como não sabemos qual é a idade da maioridade de transformações em florestas, vamos considerar que Link em Majora’s Mask já está grandinho o suficiente para virar um Stalfo. Esse não é um argumento de todo o mal, não fosse uma informação que passou desapercebida no mesmo Hyrule Historia, três páginas antes.

O Link de Twilight Princess é descendente e possui o sangue do Herói do Tempo. Isso não é algo que sempre acontece. Em muitos jogos, não há qualquer prova de alguma ligação sanguínea entre os heróis, mas nesse caso, felizmente há. A única maneira de considerar que Link morreu em Majora’s Mask e virou o Hero’s Shade de Twilight Princess é imaginar que ele teve um filho antes de sua jornada em busca da Navi. Impossível? Não, mas muito improvável, visto que ele é apenas uma criança no jogo.

O eterno retorno e o terrível destino

Por fim, o argumento dito o mais forte de todos seria a frase dita pelo Happy Mask Salesman

You’ve met a terrible fate, haven’t you? (Você encontrou em um destino terrível, não encontrou?)

Segundo o vídeo, aparentemente a frase estaria relacionada com o Link ter sido transformado em Deku pelo Skull Kid, no entanto, poderia também indicar a morte de Link. Isso porque, ao deixar a lua cair depois de três dias, após a animação da destruição e da morte do herói, a frase reaparece com a risada do Happy Mask Salesman ao fundo. O narrador do vídeo então pergunta se existiria outro motivo para a Nintendo escolher repetir a frase naquele momento que não se o destino terrível, na verdade, fosse a própria morte do Link. O outro narrador diz que não consegue pensar em nada é o último ponto da teoria em si tratada por eles.

Bom… Já que a condição dada pelo narrador para a afirmação ser verdadeira é não existir uma outra possibilidade para a repetição, vou criar uma contra-teoria agora mesmo. Link é, de certo modo, um prisioneiro em Termina. A porta para o seu mundo de origem foi fechada e a primeira coisa que ele ouve nesse lugar novo é a frase do vendedor. O destino terrível é estar preso em um mundo paralelo, condenado, de onde ele não consegue escapar nem ao menos morrendo. Link morre e volta para o momento em que o vendedor diz sua frase, mas já é tarde demais. É um eterno retorno infernal e ele nunca conseguir voltar para seu mundo.

É uma boa teoria? Não sei, talvez, mas é uma outra possibilidade.

A peculiaridade de Majora’s Mask e a redenção do vídeo

Ao final, os Game Theorists falam algo que não posso refutar nem por um momento. Majora’s Mask foi um jogo à frente de seu tempo, ao menos no quesito Nintendo. Nunca a ambientação e a interação social tinham sido tão trabalhadas e, desse modo, as emoções humanas.

Não é uma história de dominação do mal, como na maioria dos jogos da série, e sim do fim do mundo. Ninguém está a salvo, bom ou mau, e você sente todo esse peso nas costas. O seu erro não significa somente a sua morte, mas a morte de todos e tudo o que você conheceu.

Majora’s Mask é um jogo único e merece a atenção que recebe como jogo diferenciado e profundo e as teorias que o cercam, certas ou erradas, apenas mostram sua grandiosidade.
Sem mais delongas. Link está vivo e Termina está em paz.

Majora`s Mask - Link Goron Mask

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Fontes:

Modelo de Kübler-Ross – Wikipedia
Majora’s Mask: 5 of the ‘zones’ represent the 5 stages of grief – Lexington Video Game | Examiner.com
Clock Town – Zelda Wiki
Deku Butler – Zelda Wiki
Goron Village (Majora’s Mask) – Zelda Wiki
Aonuma: Zelda: Majora’s Mask Made In One Year After Miyamoto’s Challenge – Gamasutra
Purgatório (Divina Comédia) – Wikipedia
Hyrule Historia Traduzido (v1.0) by Hyrule Legends
The Legend of Zelda: Majora’s Mask: Text Dump by davogones – GameFaqs

 

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